É comum, na experiência espiritual,
invertermos a ordem dos fatos, e nesta inversão, pode estar a diferença entre a
vida e a morte, ou entre uma experiência verdadeira e outra falsa.
Por exemplo, a conversão de Cristo a nós e
não a nossa a Ele. Cada vez mais cresce de forma sutil essa ideia dentro da
Igreja.
Cristo se tornou refém das necessidades humanas
e cujas ações são estabelecidas por uma agenda determinada por nossas demandas
pessoais, e não pela obediência à vontade e propósito do Pai. Somos nós com
nossas necessidades que determinamos o agir de Cristo.
Isto tem consequências trágicas para a vida.
Há outra inversão também perigosa e que
acompanha a experiência da fé. É a inversão do ver para crer. Hoje muitos estão
querendo ver para crer, ao invés de crer para ver.
Os sacerdotes e escribas escarneciam e
zombavam de Jesus, quando Ele estava pendurado na cruz: "Desça agora da
cruz o Cristo, o rei de Israel, para que vejamos e creiamos" (Marcos 15. 32).
Por que Jesus não desceu da cruz para
realizar esta última missão evangelística? Se tivesse descido, teria certamente
levado muitos a crerem nele, a verem a glória e o poder de Deus, a se postarem
diante do poderoso Messias e se renderem à irrefutável demonstração de seu
poder divino.
No entanto Ele ficou lá, imóvel,
agonizando-se com a sua dor, sofrendo como um criminoso, ouvindo silencioso os
insultos e blasfêmias, humilhado e ultrajado. Ele não desceu para que pudessem
ver e crer!
Qual a situação do homem moderno?
Muitos, como os sacerdotes e escribas, pensam
que a salvação depende de ver para depois crer; primeiro vêm as evidências,
depois a fé.
Pensam que são as expressões de poder, os
milagres sobrenaturais, as manifestações extraordinárias que levam as pessoas a
se renderem a Cristo, a experimentarem a fé e a se fortalecerem na vida cristã.
Muitos líderes e pastores se empenham
nisso... Certamente são pastores e líderes que desceriam da cruz. Fariam
qualquer esforço para que outros pudessem crer.
O que Jesus nos ensina?
Jesus nos mostra que a fé precede as
evidências e os sinais. Ele nos mostra que aqueles que precisam primeiro ver
para depois crer, vivem ainda uma fé infantil e imatura. São como Tomé, que
precisou ver, tocar, provar, para então, crer.
Por que Jesus atende a dúvida de Tomé?
Jesus sabe que muitos precisarão de sinais e
evidências para poder crer, mas afirma o perigo da inversão e o risco da
dependência infantil àquele discípulo, dizendo: "Mas bem aventurado são
aqueles que não viram e creram" (João 20. 29b).
Não ver, e mesmo assim crer é sinal de uma fé
madura que superou as exigências infantis de pedir as provas para então crer.
Reconhecemos... Crer num Salvador condenado e
crucificado como um criminoso da pior espécie não é tarefa fácil. Uma pequena
prova, uma evidência concreta nos ajudaria a crer.
Imagine Jesus satisfazendo o pedido dos
sacerdotes, escribas e muitos outros curiosos. Imagine Ele no meio da sua
agonia e sofrimento, pregado na cruz, com o corpo todo ferido e, de repente,
suas mãos e pés soltam-se dos cravos e Ele, repentinamente forte e saudável,
com uma intensa luz brilhando sobre Seu corpo, desce lenta e gloriosamente da
cruz. Seria um espanto geral, pessoas se curvando e O adorando, seria
celebrizado e muitos o seguiriam.
No entanto o mundo ganharia um guru e
perderia um Salvador.
O crer para vê...
A fé precede quaisquer evidências. Ela olha e
recebe aquilo que ainda não foi realizado. Ela crer na Palavra, na promessa, no
testemunho.
A cruz precede a ressurreição. O mundo da fé
inverte a lógica, àquilo que é o obvio.
Se Cristo tivesse satisfeito aos sacerdotes e
escribas, teria sido uma grande campanha evangelística. Mas no final ficariam as
perguntas: Essas pessoas seriam convertidas a que? Teriam crido em que?
A fé nos leva a crer para depois ver: "Se
creres verás a glória de Deus" (João 11. 40), foi a resposta de Jesus a
Maria antes da ressurreição de seu irmão Lázaro: "Se creres verás".
Resultados da fé: é ela que nos abre os olhos
e a compreensão; é ela que nos faz andar.
É mais difícil, eu sei. Mas quando cremos antes,
passamos a depender não mais daquilo que vemos, tocamos ou sentimos. Passamos a
andar e viver com uma segurança e uma fé liberta da dependência neurótica que nossa infantilidade
cria.
Se crermos, veremos tudo àquilo que Deus está
fazendo e ainda irá fazer. Veremos as realidades divinas que os nossos
"olhos não viram e ouvidos não ouviram, nem jamais penetrou no coração
humano" (1 Coríntios 2. 9).
"A fé que requer ver para então poder
crer continuará crendo apenas naquilo que vê e, no fim de tudo, deixará de ser
fé para ser apenas uma constatação vaga e superficial do óbvio".
A inversão pode matar.
Mas Jesus lembra-nos que, mais feliz será
aquele que não viu, não tocou e não sentiu, mas creu. Este verá a glória de
Deus.
Mensagem pregada na Congregação
Presbiteriana em Santa Isabel, no ano de 2001. Baseada no texto de João 20. 29.